
"Imagine que está a descer uma vereda entre folhagem. É no princípio da Primavera, antes do pôr do Sol, por volta das seis da tarde. O Sol está a baixar e está a caminhar sózinho, sentindo na pele a carícia da brisa dourada do fim da tarde. E, de repente, sente uma grande gota cair no braço direito. Estará a chover? Olha para cima. O céu ainda está enganadoramente limpo, o Sol continua a brilhar: apenas umas nuvens aqui e ali. Segundos mais tarde, outra gota. E de repente, com o Sol ainda alto no céu, cai um chuveiro de repente, deixando-o encharcado. É assim que as recordações me invadem, abruptamente e inesperadamente: encharcada até aos ossos, fico de repente outra vez sózinha no meu caminho soalheiro, com a memória da chuva.
Já disse que estávamos naquela sala para nos protegermos da realidade exterior. Também disse que essa realidade se impunha a nós, como uma criança petulante que não dava aos frustrados pais um momento para si próprios. Ela criava e moldava os nossos momentos íntimos, atirando-nos para cumplicidades inesperadas. As nossas relações tornavam-se pessoais de muitas maneiras diferentes. Não só as actividades mais comezinhas ganhavam uma nova luminosidade à luz do nosso segredo, como também a vida quotidiana por vezes adquiria uma qualidade de faz-de-conta ou de ficção. Tinhamos de revelar umas ás outras aspectos de nós próprias que nem sequer sabiamos que existiam. Sentia-me constantemente como se estivesse a despir-me à frente de perfeitos estranhos."
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